quarta-feira, janeiro 09, 2019

Choque.




Sim, pasmem! Ela sobreviveu. 
E vai sobrevivendo a cada dia ainda mais, pois se tem um sentimento que carrega sua descrença, é o sofrimento.

Ela sobreviveu,
Encarando, a cada passo dado, a surpreendente aversão à sentir dor.
A surpreendente indignação de estar acompanhada de pensamentos que não fazem mais parte do presente.

Ela sobreviveu,
Recusando-se a levar tudo tão a sério.
A levá-lo tão a sério. O sofrimento.

Ela sobreviveu,
Por saber que a vida se trata de fatos plenamente acidentais. 
Acidentes sem sentido, a princípio.

Ela sobreviveu.
Pois nunca permitiria que a dor fizesse morada em si, ou tomasse qualquer importância. 
Sem conhecer palavra que pudesse descrever a tamanha resistência sentida, ou ao menos que descrevesse a espécie de emoção da qual sua resistência à dor provinha.

Ela sobreviveu,
Com ecos e timbres que equivaliam a ela em sua mente repetindo: não seja tola! Há vida melhor que aquela!
E mesmo quando não restava nada que a impedisse de relutar, gritou, desejando ao menos por segundos perder a consciência da realidade, não a presente, mas a vivida.

Ela sobreviveu,
Por aceitar que a verdade era mesmo verdade.
De ombros dispostos e peito dilacerado.
Com a certeza inarredável que uivava dentro de si.
Junto à segurança de que a dor não é infinita, quiçá eterna.
Se o amor não é, por que a dor seria?

Ela sobreviveu, 
Lutando pelo melhor de si,
Recompondo-se em cacos mais inteiros apesar de combalidos.
Recuperando o calor em si,
Traduzido por seus desejos vezes suprimidos.

Ela sobreviveu,
Imaculando que tempo e fé são sinônimos de paz.
Encarando as lembranças de frente, com cada vez mais indiferença.
O tempo trazendo a firmeza, o punho e a lança. 
Traduzindo em força o acabado, o que não lhe interessava mais.

Ela sobreviveu,
Tendo como sentido de sua vida uma procura limpa e eficaz, 
Que encontrava exatamente onde queria: em si, pelo melhor de si.
Pelo melhor do mundo, em si.

Certa vez, 
Voltando a inspirar, 
Mente, peito, corpo e alma abertos.
Suas vontades mais latentes reaparecem,
Junto às borboletas do estômago.
Incendeada por emoções tão suas quanto o que um dia já sentiu.
Ela vencera esta batalha, 
Contra a imagem criada pelo outro,
Contra o sentimento infundado,
Contra suas recordações.