segunda-feira, abril 27, 2020

Onde conquistaremos o mundo.



Sentiu. Não uma solidão vertiginosamente acomodada, mas um aconchego ensolarado e revigorante. A precedente impressão não pactuou com as sensações, resultantes de tantas imaginações, de tão suas, imagens em forma de reações.

Foi quando entrou pela segunda vez naquele espaço. Sob aquele teto em paredes que orquestraram os melhores gostos de sua vida. A energia impaciente e desavisada desconstruía formas rígidas de um ar fresco. A pouca mobília enfatizava o movimento, que compassado, permitia percorrer com fluidez os primeiros passos daquela dança. A dança da mudança.

O ritmo de uma desbravadora de fronteiras, que sem improvisos, subia na ponta dos pés apoiando-se em seus dedões para um harmonioso salto para o futuro. O futuro com referências apenas do aqui e agora, por enxergar sua figura em pé no meio da cozinha, árida e quente, contemplando-a como se fosse um recital em um infindo eco.

De todos os cenários nos quais ela já o vira, este era o que lhe parecia mais adequado. Assim como suas roupas descomplicadas, sua postura leve, e o ar de familiaridade inerente a ele. No centro daquela cozinha, seus modos descontraídos e naturais tinham um toque de independência, uma força discreta, como se seu olhar dissesse a ela, o que as palavras configuravam indecifráveis. 

E na forma vagamente intencional de desafiá-la, pegou seus punhos e percorreu seus pontos vitais na finalidade de decifrar seus batimentos. O entusiasmo que sentia ao vê-lo aprofundar-se em si, atravessava-a por imagens e inéditas percepções. Encontravam-se num mundo de lentidão difusa, e saber que lhes proporcionavam prazer em senti-los, os sentidos desfrutavam de uma satisfação física, no intangível. Desejaram que aquele fosse um ritual raro, que espelhasse seus cotidianos, símbolos do amor sem ego, uma coisa espiritual em cumprimento de uma sensação viral. 

Acomodaram-se lado a lado, tendo como limite o chão e suas disposições lombares, debruçada sobre os músculos que ele havia apoiado para fazê-la conforto, examinaram-se, na intenção de diagnosticar em que acorde tão bem afinaram-se. E com entusiasmo, cada vez mais se encontraram, ombro a ombro, queixo a queixo, permanecendo parados por longos instantes. Sem desafixar. Olho no olho. Sentido-se dona. Dela e dele. Desde o início sabiam o que jamais fora dito. Insano, como têm palavras que vêm, mas o tempo não permite...

- Faz sentido?

- Faz sentir?